Bahia X Vitória: Torcida única, uma enorme estupidez

Na sociedade em que vivemos, a ocorrência de manifestações atrabiliárias, que beiram a sandice, se tornaram corriqueiras e recorrentes, mas às vezes alguns são capazes de superá-las. Uma espécie de salto quântico da burrice. Refiro-me a decisão de torcida única nos estádios baianos. Neste caso, o Ministério Público, ao invés de defender o direito difuso, promoveu o direito confuso e obtuso!

Torcida única é um verbete inexistente e impróprio no dicionário do futebol. Se existem TORCIDAS, é exatamente porque não são únicas, expressam a pluralidade e a diversidade da paixão pelas cores e craques que frequentam o imaginário coletivo, desde os primeiros anos de vida, quando somos imperativamente vestidos com as preferências de pais, mães e parentes; por vez nos rebelamos, por outras somos levados a desfraldar a bandeira que nos marcará pelo resto de nossas vidas.

Torcedor é a essência desse esporte mundial, o coração que pulsa nos noventa minutos que decidem a nossa alegria ou tristeza, por dias e semanas. Pois bem! Já não bastassem as garras da indústria do capitalismo no futebol, que esvaziou os estádios para garantir as polpudas e concentradas verbas da publicidade televisiva, agora resolveram combater a violência eliminando o que restava de alma nos estádios – as torcidas.

A fórmula dessa sandice é sitiar os estádios com uma “única” torcida, muito parecida com a história do português que encontrou a gaja refestalando-se no sofá da sala com o melhor amigo e tomou a douta providência – jogou o sofá fora. Antevejo o que virá em seguida como solução para a violência em Salvador, Bahia ou Brasil. Os bairros e cidades com maiores índices de violência terão vizinhança única! Ninguém sai do bairro para não contaminar o outro! 

Já perdemos parte das nossas praças e espaços de convivência para a marginalidade; trancafiamos nossas crianças e jovens em escolas com muros cada vez mais altos, assim como fazemos nos nossos “condomínios”, que deveriam se chamar “barricadas urbanas”; fechamos os acessos a diversas praias paradisíacas do nosso litoral, e agora o Ministério Público da Santa Inquisição resolve impedir as torcidas de frequentar os estádios, pouco do que nos restava da convivência alegre e descontraída de gente que vem  de todos os cantos e recantos de Salvador, para abraçar e xingar uns aos outros, uma catarse deliciosa e necessária de quem ama o futebol.

A violência nos estádios, aqui na Bahia uma raridade, é um traço paradigmático da civilização que construímos alicerçada na antítese da convivência – o individualismo exacerbado, o egoísmo sem fronteiras, a ambição desmesurada, o isolamento ensurdecedor da virtualidade das relações humanas.

Nunca precisamos tanto de CON-VIVER como nos dias atuais. E o papel do Estado e de suas instituições reguladoras e formadoras – a escola , o trabalho, a família, a polícia , o Ministério Público inclusive, é fomentar estratégias de encontros, promover vínculos e pontes que RE-APROXIMEM os seres humanos, combatendo todo tipo de segregação e xenofobia. Não o contrário. 

A cidade é um pacto de convivência, medidas sitiadoras e segregadoras como essa, aprofundam a ruptura do tecido social, é uma regressão aos atavismos mais primitivos da nossa história civilizatória. É uma exortação à barbárie.

Torcidas mistas nos estádios, isso sim é educativo e civilizatório, um sucesso em qualquer parte do mundo. 

Num momento em que os governos locais atentam para o fim das cordas no carnaval, para a retomada das ruas pela “pipoca”, sitiar os estádios com torcida única é uma estupidez digna de quem imagina controlar a violência com um decreto de gabinete.

A cidadania baiana precisa se levantar contra isso!
 

Ney Campello – torcedor pacífico de estádios cheios de gente de cores diferentes.

Autor(a)

Dalmo Carrera

Fundador e administrador do Futebol Bahiano. Contato: dalmocarrera@live.com

Deixe seu comentário