Argel Fucks tentou trazer o zagueiro Paulão para o Vitória

O técnico Argel Fucks, hoje no Esporte Clube Vitória, goza de expressivo prestigio da imprensa gaúcha e é até compressível, afinal, foi campeão pelo time gaúcho da Copa do Brasil em 2000 como jogador e venceu o Estadual em 2016 agora como treinador, porém foi demitido no Brasileiro da Série A depois de liderar a competição por algumas rodadas depois de 11 meses de contrato. Além disso, começou a carreira vestindo as cores do Internacional e por isto tem uma forte ligação com o Internacional.

Argel ainda que jovem, 43 anos, já treinou meio mundo de times pelo Brasil afora. Red Bull, Mogi Mirim, Criciúma, Caixas, Oeste, Botafogo-SP, Brasiliense, Joinville, Guarani e outros, peregrinação que não aconteceu como jogador, atuando apenas no Internacional, Santos e Palmeiras e nos dois grandes clubes de Portugal, Benfica e Porto e uma rápida passagem pelo Real Racing Club de Santander na Espanha.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Você faz boa campanha no Vitória, mas houve boatos de uma possível demissão.

– Eu desconheço. Pelo menos, ninguém me falou nada. Nem o presidente, nem o diretor de futebol. Estou tranquilo, tenho contrato até o fim do ano. Tive proposta do Coritiba e acabei recusando porque o meu contrato é bom. Estamos bem no Campeonato Baiano, quatro pontos à frente do Bahia, estamos bem na Copa do Nordeste e, na quinta-feira, teremos uma decisão contra o Vasco, na Copa do Brasil. Soube que surgiu o assunto, um site aqui publicou isso, da demissão, mas foi desmentido.

Você chegou ao Vitória e pediu Alan Costa e Geferson. Por quê?

– Alan Costa e Geferson estão rendendo bem. Alan foi titular com Abel, com Aguirre. Geferson foi titular com Aguirre e, com Dunga, jogou a Copa América. Teve uma lesão séria no ombro. Vi uma grande oportunidade para esses jogadores. Não é porque não estavam bem no Inter que desaprenderam a jogar futebol. Na semana passada, por exemplo, ganhamos de 1 a 0 com o gol d Alan. Nos últimos seis jogos, tomamos apenas um gol de pênalti, em um erro da arbitragem. Estou muito satisfeito com o Geferson. Ele seguramente deve jogar contra o Vasco, e o Alan está sendo aquele jogador da Libertadores, está em uma crescente.

O Vitória teme alguma reversão no “Caso Victor Ramos”, com o Inter tendo ganho de causa e voltando à Série A?

Esse é um assunto encerrado. Já saiu a tabela. Nem se comenta isso aqui, em Salvador. Futebol se decide no campo, e tem que prevalecer, independentemente do que aconteça. Não se pode esperar as quatro ou as cinco últimas rodadas para perceber uma irregularidade. É um assunto morto. Dá para se ver o nosso planejamento: feito para o ano todo, para todas as competições que estamos disputando, pensando no grupo. Em termos de resultado de campo, o nosso aproveitamento é o melhor em 26 anos. Estamos no caminho certo.

Você tem essa cultura de montar grupos. Você tentou fazer isso no Inter. Se o D’Alessandro tivesse ficado no ano passado, eu não teria ido embora do Inter.

O clube não teria caído para Segunda Divisão. Eu trabalhei com o D’Ale por 11 meses e, no início, se levantou a polêmica sobre a discussão que tive com ele quando eu estava no São José. Quando cheguei, como treinador, ele foi o primeiro jogador a falar comigo, deu todo apoio. Ele brincou comigo até dizendo: “Profe, agora vamos brigar com os outros”. Respondi que estávamos com a mesma camisa e brigaríamos com os outros. E o outro episódio que me marcou foi no dia que ele foi embora. Ele veio na minha sala, pedi que ele não saísse. Disse que estávamos com o time jovem e que se apostaria na base, nos garotos. O D’Ale era caro, mas a performance dele em campo se pagava. Ele chorou na minha sala, disse que não aguentava mais, que precisava sair pela família e pelo River Plate. Disse ainda que precisava dar uma arejada na cabeça. Respondi que seria uma perda enorme e que não conseguiríamos trazer, na época, um meia que o substituísse. E o D’Alessandro, para quem não conhece, é fantástico no vestiário, na liderança. Não tenho dúvida que ganharíamos o Campeonato Gaúcho mais facilmente, encaixaríamos a equipe de forma mais rápida.


O que D’Alessandro referiu?

Disse que precisava sair um pouco. Ele sempre foi líder. E, quando cheguei, abracei todo mundo com ele. Defendi sempre a honra do meu time, mesmo jogando mal. Temos isso, de ex-jogadores, de proteger o grupo e os jogadores. O D’Ale, antes da minha chegada, estava sozinho. Cobrava, era o chato, que queria tudo certo. Por isso que, quando eu cheguei, falei para a imprensa que era para bater em mim. Então, neste ponto, por ele sentir essa pressão e pelo convite do River Plate, fez com que ele decidisse. Para mim, foi uma perda irreparável. Eu só queria ele em campo, no Beira-Rio. Já sairíamos ganhando de 1 a 0.

O episódio da Flórida, em que o vice de futebol Carlos Pellegrini cobrou D’Alessandro publicamente, por ter dito que a Primeira Liga atrapalharia a preparação para o ano, pesou na saída?

Quando um dirigente quer cobrar um jogador ou um treinador, acho que precisa chamar na sala, independentemente do jogador que é. Tratando-se do D’Alessandro, mais ainda, ele era o capitão do time. O que eu não gostei naquele jogo, que jogamos contra o Fluminense, ao estilo de Libertadores, foi que a imprensa não falou disso na coletiva. Falou-se da cobrança pública do diretor em cima do D’Alessandro. E falei para ele (Carlos Pellegrini), tinha liberdade para isso. Falei para ele: “Pellegrini, quando quiseres cobrar algum jogador, que seja feito em uma sala. Montamos uma guerra contra nós”. Eu sou da opinião que qualquer questionamento tem de ser feito internamente.

Olhando para trás, o que levou o Inter ao descenso?

Faltou convicção, principalmente da parte dos dirigentes. Um clube do tamanho do Inter não cai à toa. Convicção que teve o Andrés (Andrés Sanchez, ex-presidente do Corinthians) quando o Tite perdeu para o Tolima na pré-Libertadores em 2011, por exemplo. Foi o que faltou e, por isso, o Inter acabou pagando caro.


Falta de convicção no trabalho dos treinadores?

Não tiveram convicção no trabalho dos treinadores. A gente montou um time, apostando na base e trazendo jogadores mais baratos. Em um primeiro momento, ganhamos a Recopa Gaúcha. Fazia dois anos que não ganhava, não adianta dizer que não vale. Ganhamos ainda o Gauchão, perdendo uma partida ao longo da competição. Começa o Brasileirão com os garotos, time reformulado, com a saída do Alisson, nosso capitão. Aliás, ele assumiu muito bem a liderança depois do D’Ale. Eu vi internamente, mudou a postura, comportamento. E olha que eu não gosto de goleiro capitão. Conseguimos trazer um goleiro tão bom quanto o que tínhamos. Danilo Fernandes estreia em um jogo bem fácil: o São Paulo, no Morumbi.


Paulão também foi crucificado.

Engraçado que, entra treinador e sai treinador, e apostam no Paulão. É o melhor zagueiro que o Inter tem. Aliás, ele só não veio porque não quis. Eu liguei para ele, forcei para ele vir, não houve acordo financeiro e não conseguimos. Mas o time que eu for, vou contratar o Paulão. Eu não vejo um zagueiro no futebol brasileiro melhor do que o Paulão. Vejo ele no nível do Thiago Heleno, do nível do Geromel. O problema é que querem cobrar uma coisa do Paulão muito mais do que ele pode dar. Ele é um bom jogador. Ponto.

A torcida do Inter é muito exigente?

Não. São todas as torcidas do futebol brasileiro, é a educação do povo. Eu joguei sete anos na Europa. É diferente, isso não existe lá.

E Valdívia? O que há com ele?

O Valdívia é um garoto fantástico, você quer ter como filho, que nem o Ernando, o Rodrigo Dourado, o William, o próprio Anderson, que a gente chamava de Mister. Valdívia teve uma lesão seriíssima, rompeu o ligamento cruzado. Você demora oito meses para voltar ao nível e mais um ano para jogar como você jogava. Eu tive essa lesão duas vezes. É um ano e meio, no mínimo. E tem mais: Valdívia precisa de carinho, de conversa. É o típico jogador que, se você bate na mesa e grita, você perde ele. A primeira coisa que fiz, quando eu cheguei, foi conversar com a Patrícia, a assistente social, porque ela conhecia os jogadores. Pedi para ela a porta de entrada com cada jogador. Todo o processo foi acontecendo, e o Valdívia, não tenho dúvida, vai voltar. Ninguém desaprende. Ele é um dos poucos que finaliza bem. Não vejo ele como meia, vejo ele como atacante, de beirada, como usei-o. O Valdívia não consegue ter essa recomposição. Não dá para cobrar isso do Vitinho, por exemplo. diferentemente do Sasha, que ao mesmo tempo que é competitivo, é técnico. O Sasha consegue marcar e jogar. O Valdívia, não. Ele quer jogar, que fazer gol, jogada bonita. Quer jogar o futebol moleque, igual ao Vitinho. Não posso pensar que o Valdivia e o Vitinho vão dar carrinho no zagueiro. Eles vão dar chapéu, caneta, elástico no zagueiro.

Você foi o primeiro treinador do Inter na campanha do Brasileirão. Se sente responsável pela queda?

Eu não tenho responsabilidade pelo rebaixamento. Eu deixei o time com 11 meses de trabalho, com duas taças no armário, com time formado, com jogadores que foram bem comigo e, de uma hora para outra, perderam o chão, o apoio, a proteção deles e o time se tornou o que vimos. Entrou em parafuso. Tivemos uma sequência de resultados ruins, como teve o Atlético-MG. O Grêmio também teve com o Roger, e o treinador pediu para ir embora. Diferente da gente. Os jogadores sabiam que poderíamos dar a volta por cima. Não tínhamos Nico López, perdemos Danilo Fernandes (lesionado). Eu sabia que nós não seríamos campeões brasileiros, era difícil. Mas o Inter não tinha time para cair. Não tenho dúvida.

Você ficou chateado por ter tido o trabalho interrompido?

Não. Me dou bem com todo mundo. Respeitei a decisão deles. Se acharam que tinha de trocar… vou sair e não vou ficar uma semana sem emprego, eles sabiam. Nos últimos 10 anos no Inter, eu só fiquei menos tempo do que o Abel, que ficou 12 meses. Eu saí do Inter com convicção, com um time que era capaz de ganhar do São Paulo, no Morumbi, Santos, na Vila Belmiro, o Atlético-MG no Beira-Rio. Deixei o time em nono colocado, com mais da metade do primeiro turno e todo o segundo turno para fazer. Então, para mim, se alguém ainda me critica pelo rebaixamento do Inter, está totalmente equivocado, não sabe nada de futebol. Ninguém ganha dois títulos na sorte, ninguém pega o clube em 12º colocado com os mesmos jogadores e fica em quinto no Brasileirão, a dois pontos da Libertadores.

Você ficou triste com o rebaixamento?

Muito. Porque é inadmissível um clube deste tamanho cair. Tive um jogo muito difícil na vida, quando perdi um companheiro — o húngaro Miklos Fehér, aos 24 anos, teve morte súbita, em meio a um jogo do Benfica, em 2004, com Argel também em campo. Aquele foi o pior dia da minha vida como jogador, no meio do futebol. A segunda pior noite que vivi no futebol foi no Vitória, contra o Inter. Tive uma sensação tão ruim quando entrei no Beira-Rio, com todo mundo me cumprimentando, é a mesma coisa que dar tiro no soldado que treinei. Me embrulhou o estômago e tive de colocar o profissionalismo. Mas, para mim, foi muito difícil. Tinha sido campeão e sabia que jogaríamos pau a pau para não cair. E ali foi um divisor de águas. Comandei o Vitória em apenas dois dias, sabia qual seria o time que enfrentaríamos. A partir do momento que acabou o jogo, comentei com o Galego: “vai ser muito duro, mas o Inter vai cair”. Era um time sem confiança, que perdeu a proteção que tinha, com convicção zero. E aconteceu o que vocês lembram. Contra o Coritiba, fomos cirúrgicos. E era engraçado, porque quando cheguei, o Marinho não estava bem com a torcida, tinha saído na mão com um goleiro reserva, chamavam ele de fominha. E, depois, chamavam Dí Marinho (numa referência ao argentino do PSG Dí Maria) dois meses depois. Precisava de carinho. Me diziam: “o Marinho é louco”. Sim, mas precisávamos de uns loucos no time.

Como você acha que o Inter se sairá na Série B?

Acho que o Inter volta. E não é demérito para um clube desse tamanho jogar a Série B. Que sirva de exemplo. Mas precisa de convicção. Na minha primeira crise que tive no Inter, fui mandado embora. Em 15 pontos, ganhamos um. Trocar o treinador é o primeiro passo para o fracasso. Depois, se trocou mais três treinadores. Trocou dirigente, é preciso ter convicção. O Inter é estruturado, vai ter o apoio da torcida. Se a média, no ano passado era de 17 mil, 20 mil torcedores, neste ano será de 30 mil torcedores para cima, pode apostar.

Autor(a)

Dalmo Carrera

Fundador e administrador do Futebol Bahiano. Contato: dalmocarrera@live.com

Deixe seu comentário